TV DIÁRIO:
NÃO HÁ BASE LEGAL PARA RECORRER À JUSTIÇA
Coxinha e Doquinha (que aparecem na ilustração ao lado) formam a dupla que estrela o programa Nas Garras da Patrulha, um dos destaques da TV Diário, do Ceará. A emissora era captada em todo o Brasil até 25 de fevereiro deste ano. Muito embora não seja afiliada da Globo, o sinal da emissora acabou vítima de um acordo entre a rede e sua afiliada cearense, a TV Verdes Mares -- cujos donos também controlam a TV Diário.
Desde aquela data, o sinal da TV Diário passou a ser codificado e milhares de telespectadores que estavam acostumados a vê-la via antena parabólica, em todo o Brasil, perderam uma programação de forte cunho regional, "a voz do Nordeste" para alguns -- embora a emissora também tenha recebido críticas acusada de difundir programas de baixa qualidade. Captada fora do Ceará, a TV Diário competia pelo público com outras afiliadas da Globo e com o sinal da própria rede.
Em nota oficial, a Globo disse que tem a responsabilidade de lidar com os interesses de suas diferentes afiliadas. A própria TV Diário esclareceu, de forma lacônica, que seu sinal passaria a ser captado apenas no estado do Ceará e, via cabo, em algumas cidades de outros estados. Não duvido que a TV Diário seja oferecida, algum dia, nos pacotes de programação pagos, uma forma de atrair o público originário do Nordeste em todo o Brasil.
Como eu havia prometido, comecei a tentar entender o que aconteceu com a TV Diário. E as primeiras notícias não são muito animadoras.
Gustavo Gindre é integrante do coletivo Intervozes, uma organização da sociedade civil dedicada a monitorar a radiodifusão no Brasil. Conversei com ele, que mora no Rio de Janeiro, sobre o caso da TV Diário.
Em tese, disse ele, todos aqueles que usam as antenas parabólicas da banda "C", aquelas grandes, estão cometendo "roubo de sinal", uma ilegalidade. Calcula-se que sejam 20 milhões de telespectadores em todo o Brasil, gente que vive em regiões onde a captação da TV é precária. Mas, calma. Não é só quem assiste que está na ilegalidade. A Globo, segundo André, também está, já que a emissora transmite um telejornal feito especificamente para quem vê TV usando a parabólica, o Brasil TV.
Pela lei em vigor, a transmissão da banda "C" é de uso exclusivo das emissoras de TV para fazer chegar o sinal até as repetidoras. A concessão dada pelo estado brasileiro às emissoras não prevê captação por parabólicas, nem produção de programas específicos para esse público.
Ou seja, a banda "C" -- aquela, das parabólicas grandes -- deveria ser usada apenas pelas emissoras para transmitir seu sinal. Só que o brasileiro improvisou um jeito de melhorar a captação das emissoras: instalou parabólicas que captam esse sinal quando é transmitido, via satélite, da emissora para as repetidoras. E esse mercado cresceu em todo o Brasil. No entanto, não está previsto na legislação.
De novo, calma. Diz Gustavo que o setor de radiodifusão no Brasil vive "num mar de ilegalidade". A lei em vigor é de 1962. Está completamente ultrapassada. O setor passou por grandes transformações tecnológicas. Mas a legislação nunca foi atualizada. Em parte isso interessa aos radiodifusores, que sempre tiveram um lobby muito forte no Congresso. Como a lei é velha eles fazem o que querem.
Para dar um exemplo do poder deste lobby, Gustavo lembra que o então presidente João Goulart impôs 52 vetos à lei de 1962. Todos os vetos foram derrubados pelo Congresso. Nascia a ABERT, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.
Ele lembra que a lei de radiodifusão da União Européia é de 2007 e prevê conteúdo local de no mínimo 10% da programação, descontando os anúncios. A lei européia também exige que as emissoras comprem parte da programação de produtores locais, uma forma de incentivar o mercado audiovisual e garantir maior variedade no conteúdo.
No Brasil um projeto de lei da ex-deputada Jandira Feghalli, do PCdoB, que prevê a implantação de um sistema de cotas, tramita no Congresso há 18 anos. O relator é o senador César Borges, do PR (correção feita pelo leitor Cloildo) da Bahia. O projeto passou na Câmara Federal mas empacou no Senado.
Enquanto isso, vale a lei de 1962 -- 47 anos de idade! -- e ela é tão bizarra que obriga as emissoras a apresentarem diariamente a previsão do tempo, mas não faz exigências quanto a conteúdo regional ou educativo.
Enquanto a sociedade civil brasileira não acordar para o problema, Gustavo prevê poucas mudanças na legislação. Como o próprio Coxinha está cansado de saber, as emissoras regionais no Brasil são de propriedade de políticos, que agem no Congresso acima de tudo como radiodifusores: ninguem quer mudar nada. A família Sarney no Maranhão e a família Collor em Alagoas são dois exemplos de radiodifusores que estão felizes como a situação tal como está.
Gustavo lembra que o atual ministro das Comunicações, Hélio Costa, também é radiodifusor. Um caso único de autoridade que fiscaliza o próprio ramo em que atua. "O ministério é da Globo", diz o integrante do Intervozes.
Aos telespectadores da TV Diário, Gustavo Gindre recomenda que façam pressão sobre as próprias emissoras para tentar reverter a situação, mas ficou claro que não há amparo legal para questionar a decisão na Justiça. Hoje, no Congresso, Gustavo enxerga um grande confronto entre os interesses dos radiodifusores e os das grandes companhias telefônicas, que são menos poderosas politicamente mas têm mais dinheiro. Porém, "99% dos brasileiros não estão representados nessa briga".
Alguma chance desse quadro mudar? "Só quando a sociedade brasileira se der conta de que o direito à comunicação é tão importante quanto o direito à saúde e à educação", diz Gustavo.
Desde aquela data, o sinal da TV Diário passou a ser codificado e milhares de telespectadores que estavam acostumados a vê-la via antena parabólica, em todo o Brasil, perderam uma programação de forte cunho regional, "a voz do Nordeste" para alguns -- embora a emissora também tenha recebido críticas acusada de difundir programas de baixa qualidade. Captada fora do Ceará, a TV Diário competia pelo público com outras afiliadas da Globo e com o sinal da própria rede.
Em nota oficial, a Globo disse que tem a responsabilidade de lidar com os interesses de suas diferentes afiliadas. A própria TV Diário esclareceu, de forma lacônica, que seu sinal passaria a ser captado apenas no estado do Ceará e, via cabo, em algumas cidades de outros estados. Não duvido que a TV Diário seja oferecida, algum dia, nos pacotes de programação pagos, uma forma de atrair o público originário do Nordeste em todo o Brasil.
Como eu havia prometido, comecei a tentar entender o que aconteceu com a TV Diário. E as primeiras notícias não são muito animadoras.
Gustavo Gindre é integrante do coletivo Intervozes, uma organização da sociedade civil dedicada a monitorar a radiodifusão no Brasil. Conversei com ele, que mora no Rio de Janeiro, sobre o caso da TV Diário.
Em tese, disse ele, todos aqueles que usam as antenas parabólicas da banda "C", aquelas grandes, estão cometendo "roubo de sinal", uma ilegalidade. Calcula-se que sejam 20 milhões de telespectadores em todo o Brasil, gente que vive em regiões onde a captação da TV é precária. Mas, calma. Não é só quem assiste que está na ilegalidade. A Globo, segundo André, também está, já que a emissora transmite um telejornal feito especificamente para quem vê TV usando a parabólica, o Brasil TV.
Pela lei em vigor, a transmissão da banda "C" é de uso exclusivo das emissoras de TV para fazer chegar o sinal até as repetidoras. A concessão dada pelo estado brasileiro às emissoras não prevê captação por parabólicas, nem produção de programas específicos para esse público.
Ou seja, a banda "C" -- aquela, das parabólicas grandes -- deveria ser usada apenas pelas emissoras para transmitir seu sinal. Só que o brasileiro improvisou um jeito de melhorar a captação das emissoras: instalou parabólicas que captam esse sinal quando é transmitido, via satélite, da emissora para as repetidoras. E esse mercado cresceu em todo o Brasil. No entanto, não está previsto na legislação.
De novo, calma. Diz Gustavo que o setor de radiodifusão no Brasil vive "num mar de ilegalidade". A lei em vigor é de 1962. Está completamente ultrapassada. O setor passou por grandes transformações tecnológicas. Mas a legislação nunca foi atualizada. Em parte isso interessa aos radiodifusores, que sempre tiveram um lobby muito forte no Congresso. Como a lei é velha eles fazem o que querem.
Para dar um exemplo do poder deste lobby, Gustavo lembra que o então presidente João Goulart impôs 52 vetos à lei de 1962. Todos os vetos foram derrubados pelo Congresso. Nascia a ABERT, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão.
Ele lembra que a lei de radiodifusão da União Européia é de 2007 e prevê conteúdo local de no mínimo 10% da programação, descontando os anúncios. A lei européia também exige que as emissoras comprem parte da programação de produtores locais, uma forma de incentivar o mercado audiovisual e garantir maior variedade no conteúdo.
No Brasil um projeto de lei da ex-deputada Jandira Feghalli, do PCdoB, que prevê a implantação de um sistema de cotas, tramita no Congresso há 18 anos. O relator é o senador César Borges, do PR (correção feita pelo leitor Cloildo) da Bahia. O projeto passou na Câmara Federal mas empacou no Senado.
Enquanto isso, vale a lei de 1962 -- 47 anos de idade! -- e ela é tão bizarra que obriga as emissoras a apresentarem diariamente a previsão do tempo, mas não faz exigências quanto a conteúdo regional ou educativo.
Enquanto a sociedade civil brasileira não acordar para o problema, Gustavo prevê poucas mudanças na legislação. Como o próprio Coxinha está cansado de saber, as emissoras regionais no Brasil são de propriedade de políticos, que agem no Congresso acima de tudo como radiodifusores: ninguem quer mudar nada. A família Sarney no Maranhão e a família Collor em Alagoas são dois exemplos de radiodifusores que estão felizes como a situação tal como está.
Gustavo lembra que o atual ministro das Comunicações, Hélio Costa, também é radiodifusor. Um caso único de autoridade que fiscaliza o próprio ramo em que atua. "O ministério é da Globo", diz o integrante do Intervozes.
Aos telespectadores da TV Diário, Gustavo Gindre recomenda que façam pressão sobre as próprias emissoras para tentar reverter a situação, mas ficou claro que não há amparo legal para questionar a decisão na Justiça. Hoje, no Congresso, Gustavo enxerga um grande confronto entre os interesses dos radiodifusores e os das grandes companhias telefônicas, que são menos poderosas politicamente mas têm mais dinheiro. Porém, "99% dos brasileiros não estão representados nessa briga".
Alguma chance desse quadro mudar? "Só quando a sociedade brasileira se der conta de que o direito à comunicação é tão importante quanto o direito à saúde e à educação", diz Gustavo.
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